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A iniciática Lenda de Hiram, do ponto de vista do simbolismo maçónico, apresenta-se como um complexo sígnico, esotérico, onde os significantes adquirem ocultos significados ao longo da viagem espiritual empreendida pelo neófito em busca de referentes longínquos.
Jules Boucher, dá-nos um ponto de partida (…) Pretende-se que essa lenda, a de Hiram, tenha sido inventada em 1725, porque nenhum documento a menciona anteriormente sob a forma em que a conhecemos. (…). No entanto, nada obsta que na origem desta lenda estejam antigos rituais de iniciação transmitidos oralmente. No labirinto das lendas por vezes encontram-se pontas, indícios que nos conduzem a evidências num passado longínquo, antigas tribos egípcias e árabes usavam a acácia em cerimónias fúnebres e iniciáticas. Seguindo o fio de Ariadne na Lenda de Hiram, encontramos o local geográfico dos acontecimentos, o Médio Oriente. Encontramos também o tempo da lenda, o decorrer da construção do Templo de Salomão.
Esta prancha surge pela diversidade de referentes relativos à acácia Maçónica e porque, citando ainda Joules Boucher, (…) Na Maçonaria, o símbolo é constante e latente em todas as suas partes. É preciso, portanto, penetrar pacientemente no seu significado. (…)
Rumando por estreitos caminhos significantes, deparei na Lenda com um ramo de árvore sobre o lugar onde haviam ocultado com terra o corpo de Hiram, a acácia fora a planta escolhida pelos três assassinos, fora usada na Lenda como um sinal, marcando um lugar prístino cujo significado se encontra nos mistérios da Maçonaria. A acácia é um símbolo que assinala a descida de um corpo à terra, tal como a semente desce à escuridão para sofrer o ataque dos elementos, a podridão. A matéria que se decompõe nas trevas, fica ao mesmo tempo prenhe dos filhos que irão renascer para a luz. A acácia Maçónica simboliza uma metáfora da vida, o espírito de Hiram que renasce em cada maçom, tal como a semente que germina e frutifica. Uma sucessão de morte e renascimento simbolizados na acácia, o percurso da Humanidade no ser que emergiu das profundezas até à superfície, o solo de onde se ergueu assumindo a vertical, elevando a cabeça e o espírito na direcção da Luz.
Relativamente ao referente da acácia simbólica, J. Boucher é de opinião que, (…) A Maçonaria no Ritual de Mestre deve utilizar a acácia, impropriamente chamada de “mimosa”, e não a robinier, que não é uma acácia. (…). Diz ainda sobre o referente deste signo, (…) a simbólica das flores faz da “mimosa” o emblema da “segurança”; isto é, num sentido mais amplo, da “certeza”. Certeza de que a morte simbólica de Hiram (…) anuncia não uma destruição total do Ser, mas uma renovação, uma metamorfose. (…)
As duas acácias referidas por J.B., só foram conhecidas depois do século XVI, época dos descobrimentos europeus. A Robinier (falsa acácia ou pseudo acácia) é oriunda do Norte do continente americano e a acácia Dealbata (acácia mimosa) oriunda da Austrália, sendo as mais utilizadas como referentes na representação gráfica da acácia Maçónica. A meu ver, nem a acácia Robinier, nem a acácia Dealbata se apresentam em consonância com a lenda.
O Médio Oriente é o local de origem de uma outra acácia, a Nilótica, também conhecida por acácia do Egipto, árvore da goma-arábica ou ainda pelo seu nome Árabe, Houza ou Aluzzá. A sua madeira, dada como imputrescível, está referenciada em textos antigos como sendo o material eleito para a produção de objectos sagrados. Outrora, algumas tribos do Médio Oriente consagraram-lhe um culto religioso, além de outras referências quanto à sua utilidade em antigas indústrias e na saúde. Esta acácia do Egipto, a Nilótica, pelo seu envolvimento na cultura de antigas civilizações do Mediterrâneo Oriental, parece ser a mais consistente com o espaço e tempo descritos na lenda.
Robinier, Dealbata, Nilótica ou outra, a qual delas consagrarei a morte e o renascimento? Não me parece que a espécie de acácia possa interferir no significante ou no significado ritual que tem na Maçonaria. Mas relativamente ao referente, a acácia a partir do qual se constrói a ideia, não será possível afirmar o mesmo. Sobre símbolo e referente, ocorre-me ao pensamento a Índia do século XVI, onde Garcia de Orta, por observação local, sensorial, descreveu no seu livro Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas da Índia, muitas plantas que até ali eram representadas, de forma mais imaginária que real, nos antigos manuais de medicina Gregos e Latinos.
A (…) diferença entre bem sabido (ver) e mal sabido (ouvir dizer). (…) fomentado por este cientista, [*], alterou o conhecimento e o saber no período do Renascimento. Por outro lado e numa outra perspectiva, existem signos, símbolos do imaginário da cultura ocidental, dos quais se reconhece o significante e o significado sem que seja importante a existência física do referente. Como exemplo podemos observar o que se passa com o signo, sereia; um significante que a maioria das pessoas reconhece. Do seu significado também se dirá o mesmo, mas ninguém poderá dizer que viu o referente da sereia. Relativamente à imaginada lenda de Hiram, onde existe a planta sagrada da Maçonaria, haverá certamente um referente, a acácia mais plausível.
Às voltas com o puzzle simbólico da Lenda, acabo por encontrar na acácia Nilótica particularidades esotéricas, convergentes com a filosofia Maçónica; a sua madeira é tida como imputrescível, tal como se deverá apresentar o espírito Maçónico, ou ainda uma outra particularidade, comum a outras acácias, a folhagem abre-se com a luz e fecha-se com a escuridão, também no percurso do neófito Maçom, este procura a Luz e recusa as trevas. Como nas palavras de António Arnaut, (…) descobrir o oculto, a outra face, através de signos cuja compreensão está no mais íntimo de nós. (…)
Estão disponíveis, em livro e na net, textos antigos e modernos, sagrados e profanos que falam sobre a acácia, quase sempre de forma genérica, atribuindo-lhe inúmeras particularidades muitas das quais relativas a culturas e religiões antigas. Na literatura Maçónica, por mim consultada, encontrei estas particularidades muitas vezes coladas à acácia Mimosa ou, à Robinier, esta última muito representada, nos aventais e faixas Maçónicas, por dois ramos de falsa acácia estilizados. A indefinição que encontrei quanto à espécie da planta alimenta a ideia generalista que temos deste símbolo Maçónico, a nossa Árvore Sagrada. Existem várias centenas de espécies de acácia, oriundas de várias partes do mundo, com muito em comum e substanciais diferenças entre si. Dada esta diversidade, seria legítimo “dar-se o seu a seu dono”. Será a Nilótica, a “acácia verdadeira”?
Definir a acácia exotérica, no mundo virtual da Lenda de Hiram, é contribuir para o conteúdo da acácia esotérica nos mistérios da Maçonaria. A minha intuição leva-me a crer que a acácia verdadeira seja do Médio Oriente, e neste caso a acácia Nilótica. Mas, uma observação física, presencial e sensitiva, de um exemplar desta espécie serviria para confirmar, ou não, esta minha intuição.
No Jardim Municipal de Serpa, procurando um pouco de sombra e frescura numa tarde soalheira, encontrei-me frente a uma falsa acácia, a Robinier. Nas dunas da Costa da Caparica, procurando um pouco de Sol, encontrei duas espécies de acácia, posteriormente irei tentar identificá-las. Em Lisboa, desloquei-me ao Jardim Botânico. Informaram-me que ali não existia esse espécime de planta, o que vim a confirmar pelo Guia do Jardim Botânico da F. C. L. Envolto na diversidade botânica do Jardim, vi outras acácias. Imóvel como as árvores, desfrutei da sombra e do silêncio levemente interrompido pelo rumor da cidade.
Prosseguindo a minha busca, procurando pistas que me direccionem até à árvore da goma-arábica, a Nilótica, fui ao Jardim Museu Agrícola Tropical. Consultei o Guia de espécies Botânicas disponibilizado para informação ao visitante, constatei que a planta motivo da minha busca não existia naquele espaço verde. Tal como acontecera anteriormente, vagueei pelo jardim e encontrei outras acácias. Mesmo sendo um leigo em matéria de botânica, visualmente começo a constatar algumas diferenças na folhagem das acácias, nas vagens e no tronco.
Alimentei a expectativa de ser o Jardim Garcia de Horta, o local para um possível encontro com a Houza, a acácia Nilótica. No entanto, para meu desconsolo, nas placas informativas sobre as plantas deste Jardim não a encontrei. Andei por ali à toa, aumentei o número de espécies de acácia fotografadas. Comecei a concluir que não me seria fácil o encontro.
Se calhar irá passar muito tempo até me ver frente a frente com uma acácia Nilótica, sentir o seu odor, a forma e a cor, além da percepção táctil. Por agora, sinto a leve impressão de ter chegado ao ponto onde iniciei esta prancha.
Carlos Capelas M:. M:.
Maio de 2008
Bibliografia:
António Arnaut, Introdução à Maçonaria
A. H. Oliveira Marques, Dicionário de Maçonaria Portuguesa
Gerard Encausse, O que deve saber um Mestre Maçom
José Castellani, Dicionário de Termos Maçónicos
Jules Boucher, A Simbólica Maçónica.
[*] Luís Filipe Barreto, Descobrimentos e Renascimento
Pisani Burnay, Colecção Maçónica.
Rizzardo da Camino, Dicionário Maçónico
Umberto Eco, O Signo.